Falar de Cunhal
Eu ia prescindir, mas o tema é invasivo e contagioso: impossível evitar a morte dos mitos. Seja, a star is dead.
Álvaro Cunhal professou em fé como homem do seu tempo. Não fosse comunista, não sentiria nem seria filho de boa gente. Um misto de espírito de missão, capacidade de luta e acuidade intelectual levaram-no rapidamente ao topo, tanto do imaginário comunista como do aparelho partidário. O cárcere enobreceu-o e esculpiu-lhe fundo o perfil de herói.
Era também um aparatchik. Não podia ignorar o que sempre recusou ver. Uma ditadura é uma ditadura é uma ditadura… A desilusão de um velho comunista é por demais devastadora, a ilusão instinto de sobrevivência. Mas o autismo da crença para além da evidência não se compadece com boas intenções: por essa ordem de ideias, Salazar também era um homem inteligente e abnegado, devotado à causa pública e convicto de que agia para o bem dos portugueses.
À luz da História, o Cunhal do PREC denota a crispação de quem se sabe peão em guerra fria. E um soldado que falhou o objectivo não pode abjurar a causa. Vai ficar-lhe preso até ao fim. Que resta? O passado resistente, o heroísmo do lutador, a coragem de um protagonista. O perfil granítico e a mordacidade inteligente. Ou seja, sobretudo a personalidade. Outro culto, portanto.
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